Confesso que, no início, não dei muita atenção ao fato.
Mas quando soube que um casal estava discutindo, judicialmente, a guarda de um bebê “reborn”, parei para pesquisar melhor o assunto.
Somos seres subjetivos e simbólicos, ou seja, temos um jeito particular de sentir, perceber e agir, ao mesmo tempo em que damos significados particulares a tudo que nos rodeia. Nossa realidade é construída a partir de nossas fantasias e se isso nos permite que acordemos todos os dias motivados, também pode nos atrapalhar, caso a metáfora se aproxime excessivamente do real.
O Marketing, inclusive, se apropria de boa parte das nossas construções simbólicas para nos motivar às compras.
Colecionar objetos é um hábito milenar. Tenho amigos que guardam pedras, conchas, bonecas, caixas de fósforos, borboletas como se fossem obras únicas, insubstituíveis e vitais. Na verdade, para eles, significam poder, exclusividade e posicionamento em relação aos grupos com quem convivem.
Não há problemas nisso, desde que você não comece a cancelar compromissos porque precisa dar ração ao seu peixe, todos os dias, às 20:40.
Creio que os tais “reborn” também cumpram funções positivas. A Psicologia nos traz vários exemplos de terapias que utilizam objetos, brinquedos, simulações para motivar a fala e os comportamentos. Tenho uma amiga que tinha medo de baratas, em um nível sobrenatural. Sua terapeuta exibia a ela, baratas de plástico, tentando a redução da aversão. Deu certo.
Uma outra perdeu seu bebê ainda na maternidade e teve grande dificuldade em se desfazer do enxoval, já pronto. Manter as roupas em casa e ir se desfazendo aos poucos, a ajudou no ritual do luto.
Freud nos propõem alguns caminhos a este entendimento.
O primeiro é conhecido como Regressão, um mecanismo de defesa em que o ego recua a estágios anteriores do desenvolvimento para lidar com conflitos ou ansiedades. Pessoas que se apegam aos “reborns” podem estar buscando reconectar-se com uma fase infantil segura, onde o cuidado e o afeto eram centrais. Isso pode funcionar como uma forma de conforto emocional, retornando simbolicamente à infância.
O segundo caminho é a Sublimação, isto é, a canalização de impulsos instintivos (especialmente sexuais ou agressivos) para atividades socialmente aceitáveis ou criativas. O cuidado com a boneca pode representar uma sublimação do desejo de maternidade/paternidade ou da necessidade de cuidar, protegendo algo frágil e inocente. Isso pode ocorrer tanto em pessoas que têm filhos quanto em quem não tem, como uma expressão simbólica de amor e responsabilidade.
Freud também nos traz o conceito de Transferência no qual transferimos sentimentos inconscientes sobre outras pessoas (geralmente figuras parentais) para objetos ou outras pessoas. Neste contexto, a pessoa pode estar projetando na boneca sentimentos não resolvidos, ligados a filhos reais, perdas gestacionais ou figuras maternas/paternas, estabelecendo com o bebê “reborn” uma relação simbólica com alguém significativo do passado.
O Marketing nos ensina a pesquisar motivações. Vamos nos tornando arqueólogos das emoções e isso nos faz colecionar comportamentos que oscilam entre o estranho e o incorporado.
Precisamos estar atentos a estas ondas que nos chegam a todo momento.
Algumas chegam e nos transformam, outras apenas nos assustam. Mas todas geram movimentação social e cultural.
Por isso, antes de opinar veemente sobre os bebês comprados, avalie seu armário e responda com honestidade: o que você faria se a taça de cristal herdada da sua avó, amanhecesse quebrada?
0 comentários